Entrei por uma porta estreita e baixa, descalcei os sapatos e vi-me cara a cara com a história. A capela esfumaçada, o chão atapetado, os pés descalços não me deixaram esquecer: eu estava no mosteiro de São Macário da Igreja Ortodoxa Copta, cerca de 150km de Cairo.
Uma construção no meio do deserto. A experiência foi única. Viajei no tunel do tempo até o quarto século depois de Cristo (lembre-se, este é o vinte e um). A fumaça era incenso e meu olfato me ligava ao Divino - como cearense, gosto da idéia de “cheirar” Deus.
Acompanhado por outros pastores evangélicos, apertei a mão do monje Irineu. Um senhor de 59 anos de idade, que nunca faz a barba e que nos recebeu recoberto por um hábito preto; além do barrete preto, ele ainda usava véu. Irineu tem PHD em farmacologia. Entrou para vida monástica há mais de trinta anos e durante todo esse tempo nunca colocou os pés do lado de fora - não tem contato com o mundo, com a mídia ou com qualquer amenidade secular.
Com a missão de orar e trabalhar, Irineu cuida da impressão dos livros que seus irmão monjes escrevem sobre espiritualidade, história e teologia. Os coptas (copta significa egípcio) acreditam ser discípulos do evangelista Marcos. O monasticismo egípcio teve origem bem antes das tradições monásticas católicas.
Na época das perseguição que os cristãos sofreram na Alexandria, alguns homens entenderam que deviam preservar a fé, refugiando-se no deserto. São Macário, influenciado por Santo Antônio, por volta do ano 340 AD, assumiu a direção de um desses refúgios. Para que a fé não se corrompesse, Macário fez voto de viver em absoluta solitude (a raiz mono em monasticismo significa vida só).
Perguntei a Irineu, como era seu dia. Falando baixinho, contou que todos acordam as 4 da madrugada e oram até as seis. Tomam café da manhã em silêncio. Trabalham nas hortas, pomares e criação de ovelhas e vacas leiteiras. Almoçam em silêncio. Oram por mais duas horas. Estudam ou trabalham até às seis. Depois todos se trancam nas celas e jantam (ou não) sozinhos. No dia seguinte, a mesma rotina.
Alguns pastores que acompanhavam a visita franziram a testa. Outros se mostraram indignados com a falta de envolvimento dos monjes com as necessidades do mundo. Incenso escandalizou os mais intolerantes. Mas eu me extasiei com a visita. Como não me impressionar com uma página importante da fé cristã? O legado desses homens preservou documentos vitais; devemos a copistas, estudiosos e místicos a continuidade da mensagem de Cristo na época da corrupção dos cardeais e dos papas. Época dos pelegos da fé.
Na capela onde 49 monjes foram trucidados, lembrei-me que o ramo "protestante-fundamentalista-evangélico-pentecostal" que me formou tem pouco lastro, menos de 150 anos. O mosteiro de São Macário sobrevive há 1500.
Irineu largou emprego e família, trocou de nome, fez voto de castidade e de pobreza. Todos os dias lê a Bíblia e se coloca na brecha da intercessão, suplicando a Deus para que não deixe o mundo despencar na sarjeta. Não sei se teria coragem para fazer o mesmo, portanto, não posso criticá-lo. Na despedida, pedi que me incluisse em suas orações, pois eu é que sou miserável, cego e nu.
(Soli Deo Gloria)
Pr Ricardo Gondim
(Transcrito do site http://www.ricardogondim.com.br/, link Estudos)
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Pr Eduardo Silva
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